Sobre perdas...



            Quando comecei era muito jovem, tinha toda a vida pela frente. Não sabia ao certo os riscos que me traria. Mesmo com medo,  arrisquei essa aventura e caso não desse certo voltaria atrás. Na juventude, tudo parece ter solução. E soluções simples, com facilidade. A mocidade vive assim: do momento. Característico da fase tão vulnerável e instável. Deveria existir uma máquina do tempo que nos mostrasse o futuro. Quem sabe assim teríamos um pouco mais de cautela.
            E assim, pagando pra ver, paguei. E caro. Mas nada acontece de repente. O que é ruim vem aos poucos, que é pra gente não estranhar e não exigir felicidade. Esta sim é repentina e preserva-la é um mistério. Como toda aventura todas as novidades são incríveis, por piores que sejam, damos um jeito de torna-las benéficas. Nem tudo o que a gente transforma fica bom. Há coisas que devemos deixar in natura, pra não correr o risco de acostumar-se. Mergulhei. Conheci um novo mundo e a mim era espetacular. Eram daquelas sensações de apaixonados, que não enxergam os defeitos e superfaturam as qualidades.
            Mas não foi o suficiente. Eu queria mais. Afinal, eu jovem e todos me diziam isso: “você está nova, tem muita vida pela frente!”. Acreditei que suportaria, que aguentaria até o fim e, caso algo desse errado, voltaria atrás. Os caminhos que percorremos transgredindo a vida é difícil, pegar o caminho de volta exige dose extra de coragem. Mas não medi as consequências. E segui em frente. Foi quando tudo começou a mudar. E não foi pra melhor.
            Com o tempo o dinheiro já não era suficiente. Tudo quanto eu ganhava, gastava. Mas eu precisava continuar. Já perdi as contas dos empréstimos que fiz, paguei e tornei a fazer. Mas tudo bem, “dinheiro a gente dá um jeito”, é o que diz a sabedoria popular. Mas não foi só isso. O dia também tornou-se insuficiente. Não reconhecia meus filhos. Já não os via mais. Tinha medo de pensar se já os perdera. Meu marido... Se é que assim ainda o podia chamar. Esqueci seu toque, seu cheiro, não conseguia compreender seus pensamentos. Talvez ele já o tinha perdido.
            Depois de algum tempo a situação foi perdendo o controle. Todos me diziam que já era hora de parar, que meu corpo não aguentaria mais. Mas algo me dizia: “não pare, continue, você aguenta, não pare”. Meus olhos fundos e cheios de olheiras denunciavam minhas noites em claro. Não conseguia mais dormir. Vez ou outra meu nariz sangrava por causa do pó. Meus dentes amarelados e frágeis: café pra manter-se acordado, cigarro para ansiedade. Minha pele branca e flácida acentuavam minhas rugas e linhas de expressão. Foram anos sem ver o sol, trancado, no escuro. Não me alimentava adequadamente. Comia o que tinha, em horas desregradas, maltratando meu corpo que já estava magro, fraco, debilitado. Respirava com dificuldade e não fazia exercícios físicos. Andava devagar, levando o peso das pernas que já eram ineficientes.
            Agora, já no fim da fase adulta, vi meus sonhos de menina desmoronar. Meu marido me deixou. Preferiu o divórcio. Compreendi: foram anos sem toques, sem afagos, sem encontros. Meus filhos... o mais velho está no exterior, escolheu a distância como proteção. O mais novo mora com o pai e a madrasta, anos mais nova, mais decidida, em forma. Hoje, vivo com o que me restou: um pequeno apartamento, alguns livros antigos e uma autoestima pra recuperar. Sigo tentando me reabilitar, encontrar um novo caminho pra vida ou talvez apenas um sentido. Apesar de leves herdei algumas sequelas: alguns remédios pra dormir, outros pra acordar, diabetes e uma gastrite crônica. Todas em tratamento.
            - E qual droga foi mais destrutiva, senhora? – Perguntou o jornalista
            - Drogas? Eu? Não querido, nunca usei drogas ilícitas.
            - Mas então, o que lhe causou tamanha destruição? – Insistiu o jornalista surpreso.
            - Fui professora.

Ana Paula Garcia da Silveira

Comentários

Postagens mais visitadas