Inspiração é uma pessoa
Inspiração é uma pessoa! Quem me acompanha nas redes sociais já viu essa frase. E de verdade, ela me encanta. A aplicação dela na vida é fascinante. E refletindo sobre ela, resolvi contar essa história. Até porque, ultimamente descobri que minha vida é cheia delas. E assim aconteceu.
Minha memória é engraçada, esquece
grandes feitos, prende-se em detalhes. Uma palavra, uma sensação, um cheiro ou
até mesmo um olhar. Pequenas coisas que sacralizam o momento, que pouco a pouco
tecem a limiar de nossa essência. Foram três anos de faculdade, um curso de
licenciatura. O que trago comigo são as singularidades de pequenos encontros.
Alguns sinceros amigos também. Os atentos a sensibilidade da alma.
Era uma linda faculdade, com
gramados, grandes sombras, pássaros e uma infinidade de tons de flores
coloridas. Em outonos, as cores diminuíam; em invernos as folhas caíam. Quando
se está perto da natureza fica mais difícil duvidar de um Ser Criador. Haviam
grandes prédios, distantes um do outro e para acessá-los percorria-se um bom
trecho entre as árvores, entre as folhas, entre as cores. Alguns tocavam-se por
tamanha beleza, sentavam na grama molhada, andavam descalços na terra,
abraçavam uma árvore, deixavam-se embalar pelo som do violão e dos pássaros. Outros
passaram anos ali sem admirar uma flor sequer. Só está visível aos olhos
aqueles que querem enxergar.
Existia um momento durante o ano em
que fazíamos a nossa semana. Era um curso de música. Naquela semana especial
haviam apresentações, recitais, palestras. Uma sequência de atividades que nos
fazem mergulhar em nossa formação. As conversas e os encontros eram tão
especiais quanto a programação. Como de costume, tracei a minha rota e fui em
direção a um dos prédios: o auditório. Caminhei, entre as sombras, entre os
raios de sol entrelaçados com os troncos das árvores, que faziam chover gotas
de flores coloridas conforme a brisa intensificava. Era de manhã, e eu sentia o
cheiro do verde acordando para o dia.
Chegando ao meu destino, tudo já
estavam em seu lugar, alguns amigos simpáticos entregando o programa. Eu nunca
fui daquelas que chegam no horário, isso faz com que a escolha da cadeira fique
mais difícil. Seguindo pelo corredor principal, sentei na terceira fileira, na
ponta. Sempre gostei da possibilidade de ter opções. Opção de ficar, opção de
sair. Acomodei-me e tão pouco cheguei já começava a programação. Era uma
pequena apresentação musical e logo uma palestra. Um dia aconchegante. Um tanto
comum. Mas como um bom estudante, prestei atenção. É preciso saber que sempre
há algo a aprender. E então uma distinta mulher começou a palestra. Seus
títulos eram muitos mas orgulhava-se de sua experiência como professora de
primário. E então, ela começa dizendo: “inspiração é uma pessoa!”
Nesse momento, levanto minha cabeça
e penso: “ isso foi muito interessante!”. E agora sim, a professora tem toda a
minha atenção. Hoje, anos depois, sei o quão difícil é chamar atenção de um
aluno. Infelizmente nosso mundo esqueceu que educar é o equivalente a salvar
uma vida. Qualquer erro, por menor que seja, causa danos irreparáveis. Formamos
profissionais da educação. Deveríamos formar inspiradores, pesquisadores,
educadores. E com muita simplicidade, ela diz: “vou contar uma história!”.
Puxa, como eu adoro uma história!
E então, ela dizia: “Eu tinha um
aluno, vou chamá-lo de João. Já aprendendo a escrever, produzindo pequenos
textos. Mas uma coisa me intrigava, pois em todo tempo suas histórias contavam
sobre vacas, pastos, pastos e vacas. E não adiantavam os esforços, o conteúdo
era o mesmo: vacas e pastos, pastos e vacas. Não bastasse o assunto repetitivo
suas frases não tinham sentido. Muito menos, coerência e coesão”. E eu pensando
comigo: “a primeira frase foi interessante, mas a história ...”. Mesmo assim,
continuei em atenção. Maior que meu desinteresse é minha curiosidade, queria
saber até onde ia aquela história.
A palestrante continuou: “Até que um
dia, entrou na sala do João, uma linda menina, simples e simpática. Vou
chamá-la de Maria. Como todo novo aluno, o alvoroço foi esperado. O que não se
esperava era a tarefa de João. Como de costume, pedi aos alunos que escrevessem
seus textos, naquele dia, com tema livre, poderiam falar sobre qualquer
assunto. E qual foi a surpresa? João não somente sabia escrever como tinha
coerência e coesão. Sua carta de amor continha data, parágrafo, letra maiúscula
– Querida Maria. Inspiração é uma pessoa.”
E aquela minha cara de: “senta que
lá vem a história” transformou-se em “caramba, essa história é demais”. Sim,
aquela simples história, acompanhada de uma simples frase transformou muitas
coisas em minha vida. Transformou meu modo de enxergar as pessoas, minha
maneira de ver o mundo. Qual foi a música que tocaram naquele dia? Eu não me
lembro. Não me lembro nem o que veio antes nem ao menos o que veio depois. O
que me valia é que eu tinha ouvido uma história incrível e tinha uma frase
martelante na minha cabeça. Infelizmente também não me lembro o nome da
palestrante. Mas de uma coisa eu sei: que aquela mulher me ensinou a me
inspirar. Sempre.
E por que estava a refletir sobre
essa frase? Por que agora essa história? Porque fui inspirada por uma pessoa. Fui
inspirada a cuidar de minha inspiração. Que os seres encantadores e sensíveis
continuem ao nosso redor. Que possamos cultivar a singeleza e afeto. Que
possamos inspirar e ser inspirados a todo momento. Que nossa missão seja amor e
que o amor seja sempre.
Texto dedicado a professora Zélia Lopes Londe, EMEB Florestan Fernandes; Franca - SP
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