Partida

Por um momento parou e observou atentamente àquela a quem, apaixonadamente, devotou seu amor eterno. Já não a reconhecia mais. Os longos anos de indiferença fizeram com que não soubesse mais de onde vinham tantas expressões em seu rosto. Olhou sua amada e já não encontrava a paixão que os fizeram casar. Apaixonaram. Amaram. Casaram. Distanciaram. Sentiu um abismo que fazia com que suas mãos não a tocassem mais. Sua voz
falava alto e forte, mas ela não ouvia mais. Seu choro comovente já não era capaz de emocionar aquela a quem tanto amou.
Lembrou de quando eram jovens, andavam de mão dadas, na beira da praia, na praça, na rua, na calçada. Davam-se abraços apertados, sem motivos, sem intenções, sem celebrações. Olhavam-se intensamente de tal maneira que faziam dos segundos momentos
eternizados no coração. Lembrou das lindas coisas que viveram juntos. Pensou. Constatou que já fazia muito tempo, que de tão desatento, não percebeu que o sentimento se foi com o vento. Soprou. Voou.
Abraçou sua mulher e o que sentiu foi apenas frio. Vazio. Passou a mão em seus cabelos e assustou-se com o seu comprimento, andava desatento, com tantos contratempos não olhou apenas por um instante a vaidade constante de sua amante. Desesperou-se.
Levantou a cabeça. Respirou fundo. Sentiu que não havia no mundo máquina do tempo que fizesse com que ele retrocedesse, fizesse diferente, talvez ser mais contente, lembrar das coisas miúdas, e trocar a convivência cheia de desavenças por um amor imaturo, mesmo que inseguro, mas repleto de afeto.

Inspirado no filme " A Partida" de Yojiro Takita

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